quarta-feira, 3 de agosto de 2011

COIMA

Arte de Cínthya Verri

Pedro imaginou que seria emocionante viajar de Porto Alegre a Buenos Aires de carro. Vinte horas e a possibilidade de casar os dois pampas: o pampa e la pampa.

Ao atravessar a Uruguaiana, raciocinou que a rodovia em obras fosse um trecho. Uma breve e momentânea correção no asfalto.

Dez quilômetros, vinte quilômetros, cinquenta quilômetros, setecentos quilômetros e a construção e o estreitamento da pista não terminavam.

A Rota 14 não existia mais, estava sendo totalmente refeita. Pelo menos, suspirou de satisfação ao acompanhar a profusão de barreiras rodoviárias portenhas.

— Nossa, quanta segurança! — pensou.

Admirou a elegância do uniforme dos guardas: o colete, o quepe, as botas.

— Menos mal, estrada difícil, mas segura.

Até que uma blitz sinalizou que estacionasse no acostamento.

O policial argentino se aproximou. Disposto, Pedro já sacou a carta verde, a autorização da financiadora, a carteira, o registro do carro, orgulhoso de cumprir a lista obrigatória de exigências da fronteira.

— Desce do carro!
— Olá, tudo bem, o que houve?
— Você não estava com farol aceso.
— Não sabia que era necessário usar durante o dia.
— Sim, aparecia nas placas.
— Já entendi, serve como advertência e vou corrigir a partir de agora.
— Não, tem que pagar multa de 600 pesos.
— Tudo isso?
— Ou o dobro na hora de sair do país…
— Senhor, não é tradição no Brasil, eu desconhecia a regra.
— É a lei.
— A multa não deveria ser enviada ao meu endereço?
— Não, caso não pagar neste momento não terá permissão de deixar a Argentina.

Pedro quitou os 600 pesos, com a impressão de injustiça. Seguiu o percurso, perdoando o desconforto, a série de pedágios, o gasto desnecessário.

— Ok, foi uma exceção, uma onda de azar.

Para pensar positivamente, entrou no posto YPF. A gasolina argentina é muito melhor, tem o triplo de rendimento, em especial a Super, de 95 octanos, e a Fangio, de 97.

Ele se enxergava fazendo um bom negócio; restaurava as vantagens da viagem. Mas, no retorno à pista, foi apanhado por outra blitz.

— Desce do carro!
— Olá, tudo bem, o que houve?
— Está com luz alta.
— Vocês pediram.
— Nós? Quem?
— Vocês, a polícia argentina, há meia hora.
— A lei pede luz baixa, ela está alta. Você será multado.
— Quê? De novo?
— Foi por problemas diferentes.
— Não, é o mesmo.
— Não ouse discutir com autoridade. Seiscentos pesos! E agradeça que o argentino paga 1.500 pesos.

Não demorou para que ele fosse parado pela terceira vez. Já estava louco para dizer que Maradona nunca seria melhor do que Pelé, trancou a voz nas obturações; afinal, estava de férias, não poderia se estressar, recomendações médicas, risco de infarto, coisas da velhice.

— Desce do carro!
— Para quê?
— Como?
— O que aconteceu?
— Está com farol aceso.
— Mas é luz baixa, olha aqui…
— Pois não se pode trafegar neste trecho com farol aceso, é proibido.
— O que pretende fazer?
— Multa de 600 pesos.
— Quê? De novo? Já recebi duas multas em menos de duas horas.
— Foram em trechos distintos, é a lei, desculpa.
— Desculpa? Nem entrei em Buenos Aires e já perdi mil reais.
— Porque não cumpriu a legislação.
— Vocês mudam de opinião a todo momento. Parece romance de Macedonio Fernández.
— Leu Macedonio Fernández?
— Sim, já li.
— Então, a multa é de 900 pesos.

É óbvio que Pedro sou eu. Fiquei com vergonha de meu próprio nome.



Crônica publicada no site Vida Breve