quarta-feira, 30 de abril de 2014

1994, como esquecer?

E tem gente que diz ainda que eu era muito pequena para lembrar de 1994, já que neste ano tinha 6 e 7 anos (até julho 6 e depois 7). Mas como esquecer de um ano:

Que aprendi a ler, entonar a voz e comecei a interpretar textos;
Que li "A rua dos cataventos";
Que aprendi escrever palavras com mais de quatro letras;
Que o Brasil foi Tetra-Campeão;



Que assisti Castelo Ratimbum no primeiro ano de exibição;
Que o Mussum morreu, perdi meu tio, e meu ídolo Senna;
Que vi a violência de perto, pois os fugitivos do Central foram parar no meu bairro;
Que aprendi a pegar ônibus;
Vi pela primeira vez alguém sofrer preconceito e ficar enfurecida com isso;
Minha turma foi a última do colégio a passar pelo teste de leitura;
Que meu pai foi assaltado;
Que larguei o bico;
Que me prometeram um sorvete de sete bolas de chocolate na casquinha;
Que eu aprendi a pular corda;
Que eu levei bilhete para casa e fiquei de castigo por uma semana;
Que li sozinha todos os meus gibis;
Que entendi a importância de uma eleição e participei da escolha dos candidatos do meus pais;
Acompanhei uma rádio-novela;
Ganhei uma almofada do Grêmio;
Que estudar era muito mais do que eu já havia feito na pré-escola.

Como esquecer um ano que pode não ter sido um dos mais agitados, mas foi o ano que aprendi a viver além da minha casa. Um ano que tinha tudo para ser triste, porém o que aprendi preencheu o vazio que ficou. Descobrir sempre me motivou e a curiosidade foi latente. Minha mãe disse que nasci com um bichinho curioso. Uma coisa é certa, entrar no colégio foi um tranquilizante para a minha mãe. Naquele momento ela teria com quem compartilhar os meus porquês.

sábado, 26 de abril de 2014

Como nasceu a série Em Qualquer Rua e qual a próxima meta


A vida é feita de desafios, não é mesmo? Pois é, eu sou movida por eles. Gosto desde pequena de ser testada, de experimentar coisas novas. Sou curiosa e gosto de aprender, no colégio era geralmente eu quem levava as novidades. Mesmo adulta segui movida por esse desejo. Creio que o jornalismo, profissão que escolhi por vocação, me dá o prazer de conhecer coisas novas todos os dias.

Já escrevi sobre os diversos assuntos, mas ultimamente o que mais tenho dedicado tempo é o esporte. Gosto muito desta editoria, mas no ano passado me senti motivada a escrever sobre algo diferente, algo mais autoral e menos informativo e foi neste momento que criei a série Em Qualquer Rua (QLQRUA). A princípio eu tinha o objetivo de publicar crônicas sobre coisas cotidianas e sem um frequência para publicação, imaginava criar algo em torno de 40 crônicas. Em quanto amadurava a ideia, uma menina conversou comigo no ônibus e tinha os mesmos anseios profissionais que eu. Nasceu desta conversa a primeira história.

De cara fiquei com dúvidas: são crônicas ou contos? Depois de muito pensar eu apenas nomeei como crônica/conto. Disposta a ouvir, deixei as pessoas me contarem suas estórias e observei tudo. E destas narrativas e das minhas observações apareceram os demais textos. Percebi que meu texto mudou, está melhor. Contudo, parei de escrever por mais ou menos uns três meses, pois saia pouco de casa e com isso não tinha certeza do que contaria.

Mudei um pouco o foco e aumentei o objetivo, assim como a frequência de posts da série. Pretendo que o Em Qualquer Rua chegue ao fim com 70 crônicas. A publicação dos textos serão todos os sábados. Não sei se conseguirei bater a meta, mas tentarei. Curti este auto-desafio e me esforçarei para cumpri-lo. E espero que daqui um tempo eu redija outro destes comemorando o objetivo batido.

Mas por enquanto confira os posts já publicados no QLQRUA.

QLQRUA: A rotina da mulher brasileira

Imagem: Envolverde
O despertador toca, são sete horas da manhã e faz frio. Sem reclamar ela levantou da cama. Teve uma noite horrorosa, não dormiu. Estava preocupada com o filho mais velho que durante a madrugada teve uma forte crise de asma. Vestiu-se rapidamente e acordou a filha mais nova, que dali meia hora sairia para o colégio.

Desceu as escadas e foi para a cozinha. Lá botou a água para ferver e preparou a cafeteira. Enquanto a água esquentava ela foi até o banheiro escovar os dentes, lavar o rosto e pentear os cabelos, sedosos e com um suave aroma de floral.  A chaleira apitou e lá foi ela fazer o café. Enquanto chama a filha termina de arrumar a mesa. Passaram-se 20 minutos desde o momento que levantou.

A menina e a mãe beberam o café e comeram um pão quentinho recém tirado do forno.

Segurando a mão da menina, a mulher a levou até o ponto de ônibus, onde a pequena iria pegar a condução para ir até a escola. Quando o ônibus chegou a mulher a colocou no ônibus, mas antes se despediu dela com um beijinho carinhoso na testa e recomendações ao pé do ouvido.

Sozinha, a mulher retornou para casa. De passos apressados chegou e pegou a vassoura. Varreu o pátio, recolheu os cocos dos cachorros. Já dentro de casa ela entra no quarto e pega uma roupa. Antes de entrar no banho foi até o quarto do filho e verificou como ele estava. Se ainda tinha febre, se a falta de ar insistia. Pegou o celular e ligou para o estágio do rapaz para avisar que hoje ele não iria, já que estava doente. Depois disso tomou um banho rápido.

Já pronta para trabalhar, vestida e maquiada, ela retornou ao quarto do jovem. Ele estava acordado. Conversaram rapidamente e ela o beijou na face. Se despediu e sorriu. Sentiu uma dor indescritível por deixá-lo ali, sozinho. Se tivesse opção ficaria em casa cuidando dele, mas precisa trabalhar para garantir a alimentação dos dois filhos.

No trabalho ficou tensa, ligou várias vezes para casa. Geralmente entra no serviço às 8h30 e sai apenas dez horas depois.

Chegou em casa e viu se estava tudo em ordem. Conversou com os filhos, respirou aliviada ao ver que o menino está bem. Conferiu os cadernos da garota. Fez o jantar e  logo depois foi dormir, afinal amanhã é um novo dia, porém a rotina será similar a de hoje. Parecida com a história de vida de muitas mulheres brasileiras.

Leia mais textos da série "Em qualquer rua" clicando aqui!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

#ConversasdeBar: Chega do olhar estigmatizado sobre os bairros de periferia

Ontem senti vergonha de ser brasileira. Senti medo por morar em bairro de periferia, senti medo não por mim, afinal sou mulher, classe média, branca e com formação de nível superior. Senti medo pelos meninos que conheço. Não que as condições do meu bairro sejam ruins, não é. Mas pela forma que esses garotos são vistos pela sociedade. 
Onde moro nunca vi um tiroteio, no máximo uma investida da polícia para prender uns bandidos. Nada de grave. O local é tranquilo e nunca ouvi falarem de que um pedestre tivesse sido assaltado.  Quando houve foram os comércios atacados, e mais pequenos furtos do que a mão armada. Não é um lugar inseguro. 

Mas já vi muito o preconceito que os rapazes, sejam eles com 20 anos ou com 12, sofrem. O branco sofre por ser homem, o negro é tratado como inferior, contudo os que mais sofrem são os pardos ou sararas. É como se a pele do menino definisse o caráter dele. E já presenciei e escutei que o "café com leite" é tramposo. Senti e sinto nojo cada vez que escuto essa frase. 

Eu sei, não expliquei o motivo do medo e da vergonha. Ontem, 22 de abril, ouvi a notícia da morte do dançarino DG, que se apresentava no programa Esquenta, da Tv Globo. DG tinha 26 anos e também trabalhava como moto-taxista. Ele foi encontrado morto por um tiro, após tiroteio entre policiais e traficantes no Morro Pavão Pavãozinho. O corpo estava em uma creche, local, de acordo com testemunhas, que ele havia procurado como abrigo. O que não dá para aceitar é que ele vire mais um número.

Mais um brasileiro que perde a vida de forma estúpida e vira número de estatística. Fato que não podemos tolerar. O que a mãe do dançarino quer é que a morte do filho seja explicada, e é isso que nós como integrantes da sociedade também queremos. Está mais do que na hora de pararmos de tratarmos as pessoas apenas como números e passarmos a reconhece-las pelo nome. Está mais do que na hora do Brasil aprender a dar justiça a sua população. 

Chega de Amarildos,  Cláudias e de DGs. Chega de achar que todo pobre pode ser traficante, que todo rapaz pode ser ligado ao tráfico. Chega de deste olhar estigmatizado sobre quem mora em bairros de subúrbio. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

QLQRUA: A estagiária



Ela entra na sala, é estranha para a turma. Quem é aquela mulher com jeito de menina que irá dar aulas no lugar da professora? Todos se questionavam. Quem é?

A professora entra na sala com ar de alegria e a apresenta aos alunos.

_Essa é a estagiária e vai ficar com vocês durante um curto período. Ela será avaliada pelo professores dela, portanto nada de bagunça, ok.

A professora explica algumas coisas baixinho para a estagiária, algo que os meninos e meninas não conseguem ouvir, nem mesmo os que sentam bem na frente do quadro negro. Começa a aula e também o falatório, a bagunça.

Até que um "Silêncio!" alto e firme entoa na sala. Ela os ameaça, dizendo que fará espelho de classe se não mudarem o comportamento. Todos a olham quietos, nada satisfeitos com a bronca. Quem era aquela criatura para dar-lhes tamanha repreensão? Quem era ela, uma simples estagiária para dizer que iria desmanchar os grupos? Os questionamentos furiosos povoavam o pensamento de boa parte dos alunos. Ninguém gostou da ameaça.

A aula acabou e ela foi embora. Não teve nenhuma matéria especial, foi algo como uma simples revisão do que já havia sido dado anteriormente. No fim, apenas alguns tchaus encabulados.

No outro dia, mais uma vez ela entra na sala, com a leve doçura inicial. Ao dar-lhes bom dia disse que na aula era necessário silêncio, pois seria  explicado uma matéria nova, e esse assunto cairia em uma prova da professora titular. Acima de tudo era necessário que os alunos prestassem atenção e participassem com perguntas.

Logo que começou alguns conversavam e outros em silêncio não prestavam a atenção no que era apresentado. Mas aos poucos o cenário mudou. A aula era diferente e detinha a atenção dos tagarelas. Quando o sinal tocou indicando o final da aula ninguém estava afim de sair da sala.

Os dias foram passando e o encanto pela estagiária aumentava. Se antes os guris e gurias da turma olhavam para ela com certa desconfiança, agora a adoravam.

Quando estava perto do dia dela ir embora da escola o comentário geral foi de como eram boas as aulas. Era uma forma diferente de apresentar o conteúdo. Essa nova forma misturava tudo que eles gostavam com o que eles achavam chato. Era livro, música, debate. A estagiária permitia que eles usassem o celular, mas não podia ficar trocando SMS. As classes em semi-círculo davam um ar menos carrancudo a sala de aula.

No último dia da estagiária no colégio, não teve aula. Teve festa. Tinha salgadinhos, docinhos, bolo nega maluca, refri e muita foto. A música era baixinha para não atrapalhar as outras turmas, porém dava a despedida um ar especial de alegria. No fim uma selfie da turma e da estagiária. Acabou-se a experiência, ficou a história.

Mais crônicas da série Em Qualquer Rua aqui!

quarta-feira, 9 de abril de 2014

#SalveAbrolhos e garanta a viagem das tartarugas


Foto: Luciano Candisani/iLCP

Várias espécies de tartarugas se deslocam durante vários dias para colocar seus ovos no arquipélago de Abrolhos. Mas com a poluição e a pesca irregular essa viagem está em perigo. Além disso também é necessário que o Abrolhos seja preservado, já que é riquíssimo em vida marinha. Dá para ajudar de várias maneiras e uma delas é assinando  uma petição que pedirá a presidenta Dilma Roussef e para os governadores do Espírito Santo e da Bahia uma maior atenção e cuidado com o local.
Assine e participe da campanha #SalveAbrolhos http://goo.gl/GcfXpY

A campanha inteira e outras formas de participação podem ser conferidos no site Adote Abrolhos.

Lembre-se que mantendo o ecossistema em bom estado nós saímos lucrando. Garantir a sobrevivência das espécies é uma forma de manter viva a nossa.

sábado, 5 de abril de 2014

QLQRUA: Se estes Jacarandás falassem...

Parte da Praça da Alfândega/ Foto: Wikipédia
Os grandes e sinuosos Jacarandás da praça da Alfandega já viram muita coisa acontecer. Viram a cidade crescer, se desenvolver. Viram a violência de perto, viram os momentos de paz. Estavam lá firmes e fortes quando, na década de 1940, as águas do Guaíba resolveram invadir Porto Alegre. Lá estão eles a cada sol forte, frio congelante, aguentando as enchentes cada vez que chove.

Se fossem pessoas ou pudessem falar quantas histórias eles iriam nos contar. Seriam certamente para todos os estilos. Quantos casais não deram seus primeiros beijos embaixo das sombras destas árvores? Quantos casais deixaram de ser enamorados? Quantas amizades ali foram feitas...

Os Jacarandás certamente viram a cena boêmia de Porto Alegre nascer. Foram inspiração a poetas como Mário Quintana. Foram e ainda são o principal abrigo para a Feira do Livro.

Num tempo não muito passado, lá pelos anos de 1970, me foi contado que eram nos galhos dos Jacarandás da Praça da Alfândega que os jovens que lutavam contra a Ditadura Militar se escondiam da polícia. Durante as manifestações os militares iam para cima dos protestantes e sem opção estes se dispersavam. Muitos corriam para a praça, jogavam bolitas para atrapalhar os cavalos dos soldados, o que facilitava a fuga. "Como macacos subíamos bem alto e lá ficávamos até a polícia ir embora", me contou um amigo* da minha família. Era perigoso, mas era a única opção. Teve um dia que a única companhia que ele teve foi a do Jacarandá. "Meu pai me deixou lá em cima por 12 horas. Quando desci ouvi que nunca mais era para ir a manifestações. Ele não ia mais interceder por mim diante os soldados nem me tirar de cima das árvores. Minha sorte é que logo começou a abertura e sosseguei. Tive medo.", completou.

Dentre muitas outras histórias tem também a do casal** que estavam sob a sombra dos Jacarandás quando descobriram que estavam esperando um filho. De acordo com a narrativa, eles saíram do laboratório com o exame nas mãos, porém sem coragem para abrir. Caminharam ansiosos até a Praça da Alfândega, se sentaram e observaram a natureza. As flores do local deram o toque que faltava, envelope aberto. Era o primeiro filho dos jovens, recebido de forma poética em meio a primavera.

Estes símbolos tão marcantes da agitada metrópole são pacientes. Trazem calma para o local mais agitado de Porto Alegre. Mais que simples árvores, são parte integrantes da capital gaúcha, personagem e também contador de histórias.

Ah, se estes Jacarandás falassem...

Mais da série Em Qualquer Rua aqui!
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*Este amigo da família conta essa história agora, até pouco tempo atrás nem sabíamos disso. Preferi preservar o nome dele, pois sei que apesar de ele achar graça (ri quando conta) não gosta muito de tocar no assunto.

**Ouvi essa história quando duas mulheres conversavam. Achei bonita e resolvi contar.