sábado, 7 de fevereiro de 2015

QLQRUA: Sem oportunidade

Imagem meramente ilustrativa
Vamos chamá-la de Marília, pois ela não quer ser identificada. Tem medo de ser ainda mais rejeitada. Luta em silêncio pela oportunidade que não lhe é dada.

Marília tem dupla formação em biologia. Estudou em uma das 10 melhores faculdades do País. Tem pós-graduação em ensino da ciência para crianças, fala três línguas e presta trabalho voluntário em uma instituição de crianças sem lar. Têm 25 anos, é alta, magra, sorriso lindo e simpatia pura. É uma moça culta e bem educada. Desde os 18 anos busca por uma oportunidade de trabalho, sua CLT nunca foi assinada. O último emprego em que foi rejeitada foi para a vaga de faxineira em um condomínio de classe média.

Vive fazendo um bico aqui e outro ali. É sustentada pelos pais e pela avó. Não queria viver assim, tenta e tenta, mas sempre esbarra no preconceito.

Marília luta na justiça pelo direito de mudar o nome nos documentos oficiais, e assim alterar o nome no diploma e no registro profissional. Acredita que se houver a alteração a sua vida ficará mais fácil.

Marília, na verdade, é Diego. Mas não nasceu menino. Ganhou esse nome em virtude da sua condição. Marília é hermafrodita. Como seu órgão masculino é maior, ganhou o nome de Diego, explicou a bióloga. Porém, quando cresceu o seu corpo se desenvolveu como de qualquer outra menina. Ela mostra que tem seios pequenos e é nítido de que ali não há nenhuma grama de silicone. O corpo também é bem feminino e quem não a conhece bem não sabe que ali "habitava" um ser chamado Diego.

A confusão na adolescência foi enorme. Se quando era criança já achava estranho ter dois "pipis", na adolescência tudo era estranho. Diogo percebeu que gostava mesmo era de meninos. Contou aos pais que era gay. O pai o rejeitou, contudo, a vó e a mãe não. Só não foi expulso de casa, graças as duas.

"Em uma manhã, ao acordar percebi que meus mamilos doíam muito. Eu tinha uns 14 anos. Contei para a mamãe e ela viu que meu peito estava relativamente inchado. Me tranquilizou, disse que isso era normal no meu caso. E brincou dizendo que talvez eu fosse mesmo uma menina. Fomos o médico e depois de um monte de exames, ele nos contou que tenho ovários, mas meu útero nunca poderá receber um bebê. Erroneamente, disse ele, disseram que essa criança era um menino", contou.

Marília falou ainda que desde então se trata com esse médico, em diversas razões ligadas ao hermafroditismo. Há dois anos faz tratamento psicológico no Hospital de Clínicas. Está na lista de espera para fazer a cirurgia de definição de sexo, quase fez, mas não pode. É fumante.

"Não consigo parar de fumar. Meu pai me tolera, mas não aceita. Só vejo as portas fecharem para mim. Não vejo solução, me ataca os nervos, fumo e fumo. E enquanto não parar o médico avisou que não irá me operar. E por causa disso, ainda sou em parte Diego", confidenciou.

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