sábado, 23 de maio de 2015

#QLQRUA: Alegria em país estrangeiro

Alegria em país estrangeiro. Como pode? Longe da terra natal, sem nenhuma certeza. A distância da família traz dor. A língua tão diferente, os sotaque, tudo tão estranho. Mas a alegria é justificada pelo vento que bate no rosto e alimenta a esperança.

Esperança de uma vida melhor em um país com tantas crises, com tantos problemas sociais. Vir para o Brasil é desde sempre (ou pelo menos após essas terras virarem colônia) chegar e conquistar o eldorado. O mito da riqueza da terra, do povo alegre... Tudo isso atrai os estrangeiros que aqui buscam um futuro.

Conheço de vista um haitiano. Fala pouco o português, erra palavras. Até pouco tempo nem cama tinha. Tinha no máximo o rancho que a empresa oferecia, fogão e a geladeira. O sorriso, porém, não sumia do rosto. Mesmo depois de um extenuante dia de trabalho. Ele é pedreiro.

Quando recebeu o primeiro salário, guardou um pouco. Foi até o bazar e comprou coisas para enfeitar a casa, e também de utilidade. Comprou balde, vassoura, capacho, um jogo de xícaras de vidro na cor verde. No mês seguinte ajudou um amigo a comprar válvula e mangueira para o gás. Para a casa dele, comprou guardanapinhos de renda, um enfeite, um porta-retrato, e um jogo de tapetinhos para o banheiro.

A casa do haitiano é bem simples. Tem uma sala, uma cozinha, um banheiro e um quarto. Tudo pintado de branco e com o piso de cerâmica cinza. Ao mesmo tempo, naquele espaço sem cor, percebesse que há vida pulsante. O banheiro enfeitado tem até flor. Na sala de estante improvisada com caixotes está a televisão, o rádio. Tudo devidamente enfeitado com os guardanapinhos de renda amarela, com um bibelô e o porta-retrato. Lá a fotografia da esposa e da filha que ficaram no Haiti, enquanto ele tenta a sorte por aqui.

No pouco que falou em português, o sorridente homem contou que perdeu o pai ainda criança. Não teve irmãos. A mãe, os sogros e o cunhado morreram no terremoto de 2010. Ele e a esposa estavam no litoral a trabalho e nada sofreram fisicamente. Depois da tragédia, eles ficaram desempregados. A mulher conseguiu se estabelecer profissionalmente, principalmente porque é formada em turismo, porém ele não. A filha nasceu em 2013, e a única coisa que o entristece é o fato de não poder acompanhar o crescimento da pequena.

Está há um ano no Brasil. Tem trabalho fixo, mora em casa de aluguel. Ajuda um ou outro estrangeiro, seja do país que for, a se estabelecer no Brasil.

Pretende trazer a família nos próximos meses. "Como vocês dizem cá, estou morrendo de saudades".

Ele contou que junto com a mulher e com a filha também virá para Porto Alegre a tia, o primo e um amigo. O Haitiano (que ninguém sabe o nome porque ele se apresenta como Haitiano) aos risos disse que não sabe como vai colocar tanta gente dentro da casa tão pequena em que vive, mas aposta que eles não ficaram muito tempo com ele, já que o primo, de 16 anos, fala português e é muito inteligente, e assim, logo terão a sua própria moradia.

O homem contou que quando veio para o Brasil pensava que o país era uma coisa, ao chegar percebeu que por aqui nada é perfeito, mesmo assim ele aposta que o futuro será melhor.

É alegria e esperança em terras desconhecidas.

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Peço desculpas por não ter publicado a crônica no meio da semana. O trabalho foi bem intenso e não tive muito tempo extra.

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