domingo, 13 de setembro de 2015

#QLQRUA: Mudar é para quem tem coragem

A artesã trabalhava com lãs e linhas/ Foto: Mira Imagens
A artesã cheia de orgulho conta da sua nova trajetória de vida, logo após entrar no ônibus e sentar. Fala ao estranho a sua nova vida e como a mudança está sendo benéfica.

A senhora de rosto redondo, bochechas rodadas, maquiagem bem feita, nem gorda nem magra, mas com barriga, herança de duas gestações, seios fartos, portadora de um óculos discreto,blusa florida, calça jeans e sapatilha azul, aparentava ter pouco mais de 50 anos, demostrava simpatia e boa de papo. Empolgada, sim, dava para perceber, antes mesmo de abrir a boca, simplesmente por sorrir, mesmo em silêncio na fila para pegar o coletivo.

A mulher estava animada, depois de passar a vida inteira no interior ela veio morar em Porto Alegre. Era orgulho morar na Capital, mais ainda, ter toda a família aqui.

A artesã veio para a cidade acompanhar a filha. Só que a história é bem mais longa. Primeiro veio o filho prestar vestibular para direito, não passou, voltou para casa e tentou uma faculdade da região. Passou. A filha tentou arquitetura na mesma universidade do irmão por duas vezes e não passou. Tentou aqui e foi aprovada. Feliz da vida a menina veio de mala e cuia para a cidade, contudo, ela não imaginava que a adaptação seria tão difícil. Não curtiu morar em república, nem uma amiga de confiança para dividir um apartamento, morar sozinha tentou, sofreu com a solidão. Decidiu que iria largar tudo e voltar para a casa, sabia que ainda não era madura o suficiente para sair de baixo da asa da mãe e do pai. Sentia vergonha, pois ela conhecia um monte de meninas de 19 anos que já tinham casa, algumas além de casadas tinham filhos.

A mãe não deixou, resolveu se mudar para Porto Alegre, porém, não completamente, como o marido havia ficado para acompanhar o filho, eles trocavam. Ela ficava uns dias por aqui, depois vinha ele.

O que eles não imaginavam era que o rapaz, prestes a completar 22 anos, em uma das visitas a irmã fez vestibular e passou. Logo, se mudou também para Porto Alegre, como também odiava ficar sozinho foi morar com a irmã. Levou a mala, pois a cuia já estava na casa da garota.

Só que a artesã nem cogitou ficar longe dos filhos. Duas semanas depois, ela também foi embora, com a recusa do marido ameaçou a separação. Topava ficar sem marido, mas não longe dos filhotes, além disso, sabia bem que ele não aguentaria muito no interior. Dito e feito. Não deu uma semana e a família estava completa, sim, até o cachorro e o papagaio, em um apartamento quarto e sala. Só que naquela momento havia mais uma pecinha compondo o grupo, um peixinho beta.

Foi necessário procurar uma casa maior. Na pressa foi um apartamento mesmo. Em menos de um mês, casa nova, casa velha alugada, dois filhos acadêmicos, noites de sábado com os novos e velhos amigos do pai, viola que tocava, churrasco. O pai era aposentado e aproveitava as horas vagas para realizar trabalho voluntário. Já a mulher passou a dar aulas em uma loja de artigos para artesanatos, era a primeira vez que ela ensinava outras pessoas a fazer a sua arte. Isso foi algo que acrescentou a ela.

Feliz, sim, porque mudar é bom. Mesmo que dê medo. Claro que a artesã sentiu medo de mudar radicalmente de vida. Hoje mora com um apartamento de três quartos, um banheiro, uma sala, uma cozinha e uma varanda. Uma cidade agitada, caótica muitas vezes. Antes era uma casa grande, quatro quartos, dois banheiros, sala de jantar, de visitas, cozinha ampla, pátio. Silêncio, um município tranquilo. Claro que teve medo do marido deixá-la. Só que a mulher sabia o quanto era importante acompanhar os filhos naquele momento, sabia o quanto era preciso avançar. Ela sentiu medo, mesmo assim foi em frente, queria lutar por uma outra vida, estava cansada, queria viver e escrever outra história. E assim fez, não foi só a vida da família que mudou, do casal também. Descobriram que apesar dos anos de casamento, da juventude que se foi o que um sentia pelo outro não havia mudado. O desejo não havia acabado, estava adormecido, com tantas mudanças acordou.

Dar um novo rumo a vida é para todos que querem. Não tem idade, sair do lugar e possível a todos. Mudar a vida não é para quem é jovem, é somente para quem tem coragem de viver.

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Ops... madrugada de domingo. Neste final de semana fui agraciada pela visita de uma crise de rinite feroz que me deixou de cama. Além disso, a ideia era publicar no sábado a noite, mas a internet caiu diversas vezes e nada de voltar, obrigada OI!

Leia mais crônicas da série Em Qualquer Rua aqui.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

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