sábado, 18 de abril de 2015

#QLQRUA: A Baronesa do Tráfico


Aquela senhora de sacolinha de mercado no braço, pagando o que havia comprado no mês anterior no bazar do bairro parece uma simples idosa. Quem a vê de cabelos curtos, cacheados, brancos, a estrutura já debilitada pela idade jamais poderá dizer que aquela mulher tem uma história envolvida com o crime. Ela até pouco tempo atrás era conhecida como a Baronesa do Tráfico.

No final dos anos de 1980 ela era casada. Ajudava o marido no trabalho, mas era uma simples dona de casa. Ele era barbeiro de primeira e tinha clientes de gabarito. O que poucos sabiam era que aquela barbearia bem frequentada também era um local sigiloso de tráfico de drogas. Talvez ninguém ficasse sabendo se o homem não tivesse se envolvido em outro caso policial e não tivesse sido morto.

Era um domingo a tarde. A capital estava parada em virtude de um feriadão. Era o dia perfeito. Um mês antes o sócio do marido, da então dona de casa, propôs deles assaltarem um banco. Eles precisavam do dinheiro e essa seria a melhor forma de conseguirem rapidamente. O tráfico da forma que eles negociavam no salão, quase que de forma vip, não estava dando resultado. O homem tremeu um pouco, mas aceitou a ideia. A mulher não topou muito na hora que soube, mas apoiou o marido, afinal, pensou ela, é para isso que serve as esposas, principalmente ela que estava ao lado daquele homem há mais de 20 anos.  Foi reunido um grupo de seis pessoas e naquele domingo o plano foi posto em ação.

Contudo eles não esperavam que ao sair do banco estariam sendo esperados pela polícia. Uma troca de tiros e o marido e outro três morreram. O comparsa fugiu pelos fundos e não foi pego e o dinheiro não foi recuperado. 

O homem voltou para casa, mas não existia provas que ele estivesse ligado ao assalto. A mulher, porém, sabia e cobrou a parte do marido. Ela tinha que fazer isso. Por causa dele ela estava endividada, já que não tinha dinheiro suficiente para pagar o velório e enterro do marido. Por causa dele ela teria que cuidar dos quatro filhos sozinha. Cobrou, mas teve o dinheiro. 

Irada ela avisou que daria a volta por cima e que todos iriam respeitá-la. Ela então começou a atender os antigos clientes do marido, não os que iam para a barbearia fazer a barba, eram aqueles que iam comprar drogas. Só que o negócio foi crescendo e em pouco tempo ela não atendia apenas os seletos clientes do finado marido. Tinha uma grande clientela, negociava com os fornecedores. Atendia a domicílio se fosse necessário, afinal os vips ainda existiam.

Ela não tinha medo de cara feia. Enfrentou traficantes conhecidos como cruéis. Enfrentou tiroteios, matou e mandou matar. Em menos de um ano dominou a região, nos dois seguidos três bairros tinham o tráfico de drogas controlado por ela. Subornou policiais, juízes e promotores. Perdeu o medo e entendeu que quem fazia as leis era ela. As demais eram para as pessoas sem coragem de enfrentar. Assim a mulher se tornou a Baronesa do Tráfico.

A Baronesa acumulou muito dinheiro, lavou muito dinheiro para políticos. Sabendo da vida perigosa que levava entendeu que os filhos não deveriam ficar ali, Era perigoso demais. Mandou os três mais velhos estudar no exterior, ficou com apenas o mais moço que na época tinha sete anos. A menina de 20 e o rapaz de 18 foram para os Estados Unidos. A menina de 15 foi para um internato na Inglaterra, assim que ela concluísse o ensino médio (no período chamado de 2º Grau) deveria ir morar com os irmãos, que já estavam na faculdade.

Não havia o que ela não pudesse comprar. Cheque? Nem pensar, ela fazia questão de pagar tudo em dinheiro vivo. E nunca andou com pouca quantidade. Ela esbanjava, porque podia e se achava no direito.

Só que o tempo foi passando e ela envelhecendo. Mandou o caçula para morar com os irmãos nos Estados Unidos, viu o seu reinado ameaçado. Perdeu espaço, perdeu parceiros. O tráfico também havia mudado durante aqueles anos. Com a virada do milênio perdeu importantes aliados. Foi presa e passou um bom tempo assim. Uma das suas marcas registradas, o leque, foi mantido e as próprias carcereiras providenciavam o objeto para ela.

Ao ser solta, com seus 63 anos, no começo de 2009 voltou para a sua casa, agora não tão mais bela como antes. Não quis morar com os filhos no exterior, agora os quatro moram em Paris. Trabalham por lá, têm suas famílias. Não vieram para o Brasil e a própria mulher acredita que eles nunca mais moraram aqui. Não vive só, vive com uma sobrinha, também idosa.

Hoje vive com uma aposentadoria, no valor de um salário mínimo, e do aluguel de dois pequenos imóveis. A cada três meses recebe um agrado financeiro dos filhos. Mesmo assim o valor e pouco para quem precisa de medicações especiais.

Com suas roupas velhas, leque em punho, sacolinha, passos lentos e pesados. Aquela velhinha, uma vovozinha gentil, sorridente, que conta moedinhas ao comprar pão no final de cada mês. Aquele delicada senhorinha já foi um dia a Baronesa do crime.

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