sábado, 4 de julho de 2015

#QLQRUA: a história dos invisíveis Joana e Felipe

Joana e Felipe eram irmãos. Moravam em uma vila de uma grande cidade, não tinham pai e a mãe era viciada em cocaína. Não sabiam quem eram os avós, nem ninguém da família. Enquanto estavam na creche estavam a salvos de toda a criminalidade existente na metrópole. Aulas de tempo integral, chegavam lá as 7h30 e só saiam depois de 12 horas. Iam para casa apenas apenas para dormir, muitas vezes com fome. Muitas sem a companhia da mãe durante as madrugadas.

Quando saíram da creche tinham cinco e seis anos. Estudaram em uma escola municipal, meio turno apenas. No tempo livre ficavam na rua, brincavam...

A mãe sem trabalho fazia pequenos furtos para conseguir manter o vício, que naquela etapa já era em crack. Muitos destes furtos acompanhada pelos pequenos. Com fome, Joana e Felipe pediam comida, depois aprenderam a pegar ônibus, iam até as avenidas principais  pediam esmola. No começo ganhavam, afinal, quem não cai aos encantos de pequenas crianças tão fofinhas.

Mas todo mundo cresce. Felipe foi violentando sexualmente aos 9 anos. Joana, com 10, tentou evitar e apanhou muito. Mas os dois não enfrentaram apenas estes tipos de violência, sofreram de todos os tipos.

Joana e Felipe seguiam pedindo para comer, porém não recebiam mais esmolas e poucos davam algo para que comessem. Trabalho não conheciam. A mãe foi presa por roubo a uma loja e os dois ficaram sozinhos em casa, já que fugiram dos conselheiros tutelares por medo.

Joana para conseguir dinheiro passou a se prostituir, tinha 11 anos. Aos 13 fazia pequenos assaltos. Engravidou aos 14 e seguia fazendo os programas e os assaltos, não sabia quem era o pai do filho que carregava no pequeno ventre.

Felipe fazia pequenos furtos. Invadia mercados e só roubava comida. Até conhecer um traficante e perceber que como aviãozinho recebia muito mais. Na época com 13 anos conseguiu dinheiro suficiente para fazer um enxoval simples, porém bonito, ao sobrinho que iria nascer.

Aos 16 anos Joana já era mãe de duas crianças e estava grávida do terceiro. Aos 15, Felipe também já era pai. No tráfico ganhou status e a irmã não precisou mais se prostituir, mesmo assim ela se mantinha nos assaltos, se especializou no roubo de veículos de grande porte. Seduzia caminhoneiros e quando eles menos esperavam eram assaltados pelo bando comandado pela jovem de encantadores olhos azuis e pele morena.

Felipe aos 18 anos era traficante e comandava a boca. Enquanto Joana, com 19, era temida no mundo do crime, estava grávida pela quinta vez. Tinha perdido a guarda dos três filhos, pois ela e o irmão haviam sido presos, e a quarta filha perdeu em um aborto espontâneo, aos seis meses de gestação, durante um assalto.

Sem conhecer o que era certo ou errado. Mantendo vícios, mantendo-se no mundo do crime os irmãos que sempre viveram unidos também esnobavam a lei. Aos 19 anos, Felipe foi morto durante um embate com a polícia. Morto com um tiro a queima roupa e enterrado como indigente. Joana foi presa um ano depois e hoje cumpre pena em um presídio federal. Não sabe onde estão os filhos.

Ninguém visita Joana nem coloca flores no tumulo de Felipe. A margem da sociedade, invisíveis, tal como quando nasceram e cresceram.

--------------------------------------------------------------------------------------------
Em uma época que tanto se fala em infância lembrei desta história que ouvi quando eu era criança, da marginalização dos invisíveis. Vale a reflexão, afinal quantas Joanas e Felipes existem sem que nós tenhamos notado?

Mais crônicas da série Em qualquer Rua aqui!

Sem comentários: