sábado, 5 de abril de 2014

QLQRUA: Se estes Jacarandás falassem...

Parte da Praça da Alfândega/ Foto: Wikipédia
Os grandes e sinuosos Jacarandás da praça da Alfandega já viram muita coisa acontecer. Viram a cidade crescer, se desenvolver. Viram a violência de perto, viram os momentos de paz. Estavam lá firmes e fortes quando, na década de 1940, as águas do Guaíba resolveram invadir Porto Alegre. Lá estão eles a cada sol forte, frio congelante, aguentando as enchentes cada vez que chove.

Se fossem pessoas ou pudessem falar quantas histórias eles iriam nos contar. Seriam certamente para todos os estilos. Quantos casais não deram seus primeiros beijos embaixo das sombras destas árvores? Quantos casais deixaram de ser enamorados? Quantas amizades ali foram feitas...

Os Jacarandás certamente viram a cena boêmia de Porto Alegre nascer. Foram inspiração a poetas como Mário Quintana. Foram e ainda são o principal abrigo para a Feira do Livro.

Num tempo não muito passado, lá pelos anos de 1970, me foi contado que eram nos galhos dos Jacarandás da Praça da Alfândega que os jovens que lutavam contra a Ditadura Militar se escondiam da polícia. Durante as manifestações os militares iam para cima dos protestantes e sem opção estes se dispersavam. Muitos corriam para a praça, jogavam bolitas para atrapalhar os cavalos dos soldados, o que facilitava a fuga. "Como macacos subíamos bem alto e lá ficávamos até a polícia ir embora", me contou um amigo* da minha família. Era perigoso, mas era a única opção. Teve um dia que a única companhia que ele teve foi a do Jacarandá. "Meu pai me deixou lá em cima por 12 horas. Quando desci ouvi que nunca mais era para ir a manifestações. Ele não ia mais interceder por mim diante os soldados nem me tirar de cima das árvores. Minha sorte é que logo começou a abertura e sosseguei. Tive medo.", completou.

Dentre muitas outras histórias tem também a do casal** que estavam sob a sombra dos Jacarandás quando descobriram que estavam esperando um filho. De acordo com a narrativa, eles saíram do laboratório com o exame nas mãos, porém sem coragem para abrir. Caminharam ansiosos até a Praça da Alfândega, se sentaram e observaram a natureza. As flores do local deram o toque que faltava, envelope aberto. Era o primeiro filho dos jovens, recebido de forma poética em meio a primavera.

Estes símbolos tão marcantes da agitada metrópole são pacientes. Trazem calma para o local mais agitado de Porto Alegre. Mais que simples árvores, são parte integrantes da capital gaúcha, personagem e também contador de histórias.

Ah, se estes Jacarandás falassem...

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*Este amigo da família conta essa história agora, até pouco tempo atrás nem sabíamos disso. Preferi preservar o nome dele, pois sei que apesar de ele achar graça (ri quando conta) não gosta muito de tocar no assunto.

**Ouvi essa história quando duas mulheres conversavam. Achei bonita e resolvi contar. 

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